quinta-feira, 21 de agosto de 2008

****Pensar para a Autonomia****

Esclarecimento é um processo de emancipação intelectual, de superação da ignorância e da preguiça de pensar por conta própria. É a busca de autonomia, de maioridade; é o esforço para sair da menoridade e para isso é necessário ter a ousadia de fazer uso de seu próprio entendimento. Como ele mesmo diz: "ousa, atreve-te, a saber".

Um comentário:

Josemi disse...

FILOSOFIA

"Que o jovem não espere para filosofar, nem o velho de filosofar se canse. Ninguém, com efeito, é ainda imaturo ou já está demasiado maduro para cuidar da saúde da alma. Quem diz não ter ainda chegado sua hora de filosofar ou já ter ela passado, fala como quem diz não ter ainda chegado ou já ter passado a hora de ser feliz."

Epicuro, Carta a Menequeu.





1. "Forasteiro, aqui te sentirás bem. Aqui, o bem supremo é o prazer."

A partir desta frase, escrita no portão da escola de Epicuro, O Jardim, podemos entender suas idéias e sua ética. Tudo gira em torno do prazer. Mas de que prazer falava ele? Um prazer sem limites? Não é bem assim. Epicuro ao elaborar sua ética, alerta para as consequências dos prazeres e também para a diferença entre os prazeres imediatos e os prazeres duradouros, que considerava mais intensos e que deveriam ser conseguidos a longo prazo. Isso significa que o homem tem a capacidade de planejar sua vida e consequentemente, seus prazeres. Mas, voltando à pergunta sobre o tipo de prazer ao qual Epicuro se referia, certamente não era aos prazeres dos sentidos, da "carne". Valores como o autocontrole, a temperança e serenidade, as sensações em relação às artes e principalmente o sentimento da amizade, seriam motivos de grande prazer. Mas para viver bem e com prazer o homeme não pode ter medo. Nem das coisas ruins e nem das coisas boas. Portanto, para Epicuro a filosofia é o "remédio" que tira o medo do homem: medo da morte; medo dos deuses; medo da felicidade; medo de suportar a dor.

Mesmo que para isso o homem tenha que se afastar um pouco da sociedade, para viver em um
lugar onde não haja tantos problemas e preocupações.



2. "Doente, a humanidade transformada em rebanho, precisa de tratamento."

Para Epicuro, o remédio que vai curar o homem dos males que o afligem, ou seja, dos seus "medos", é a filosofia. A "doutrina" filosófica epicurista vai dizer ao homem o quádruplo remédio que o possibilitará ter uma vida serena e prazerosa:

* Não há o que temer quanto aos deuses;
* Não há nada a temer quanto à morte;
* Pode-se alcançar a felicidade;
* Pode-se suportar a dor.

Portanto, encontramos em Epicuro, uma proposta de busca de felicidade baseada na razão e no amor e calcada no conhecimento filosófico. Esse pensamento, por ser de vital importância ao homem de todos os tempos, sobreviveu através dos séculos, ora elogiado, ora criticado. Mas, só precisa de remédio quem está doente. Epicuro está doente, a Grécia de Epicuro está doente. Seria esta então a grande idéia de Epicuro: a cura. Cura que se dá através de um projeto interior, capaz de suportar tanto a doença física que o acometia (cálculo) e que o levou à morte, quanto aos males que acometiam a Grécia dominada por Alexandre da Macedônia. Epicuro prega a imperturbabilidade e a serenidade diante das adversidades, tanto pessoais quanto sociais. Mas isso não se dá à maneira de Platão, que prega a participação num processo coletivo de busca de bem e justiça.

Diz Epicuro que, para suportar a "dor individual" é preciso ter em mente os prazeres vividos no passado. A memória tem então, um papel fundamental dentro desta ética, não só como possibilidade de reviver os momentos felizes, mas também de preservar o saber adquirido através da filosofia e consequentemente a liberdade dela advinda. Daí a importância de ler, escrever e conversar sobre filosofia. Manter acesa a sabedoria, principalmente através da amizade que se cria atravéz de diálogos verdadeiros e uma convivência harmoniosa.

Para suportar a "dor social", Epicuro recomenda o afastamento da política e mazelas que dirigem um mundo determinado pelo medo, pelas injustiças, pela pobreza, enfim, pela morte; e a edificação de uma "cidade interior", livre das ilusões e das crendices e por isso, serena e livre. O homem deve escolher entre felicidade ou política. É a oposiçao entre ética e política para a construção de um projeto pessoal de substituição do mal pelo bem.

Podemos concluir então que, para Epicuro, é perfeitamente possível ser sereno e feliz em momentos de extrema adversidade. Basta usar o remédio certo, no caso, a filosofia. Essa visão nos remete a uma atividade curativa e libertadora da filosofia, pautada na lógica, na física e na ética, sendo as duas primeiras, auxiliares da terceira na contrução do entendimento e na vivência da felicidade.

Tetraphármakon:
"Não há o que temer quanto aos deuses."
significa eliminar da vida humana temores e crendices. Os deuses de Epicuro não participam dos conflitos humanos, vivem a felicidade eterna, sem necessidade de julgar, condenar ou absolver, por isso, não devem ser temidos. Devem sim ser imitadoso em sua sabedoria e em sua serenidade, sem qualquer tipo de angústia ou medo.

"Não há nada a temer quanto à morte."
significa que não se deve temer o que não está presente e que quando estiver, não estaremos mais aqui. Portanto a morte para Epicuro é a "privação da sensibilidade", o que significa que não podemos senti-la. Sofrer ao esperá-la constitui um erro e consequentemente a perda da serenidade.

"Pode-se alcançar a felicidade"
siginifica que o homem tem a vocação para uma vida feliz. Não se deve privar dessa possibilidade pelas doenças do corpo ou da alma. "Não sofrer no corpo, não ter a alma perturbada - eis a fórmula epicurista da felicidade". É preciso transformar o tempo de vida em tempo de felicidade. E a felicidade está exatamente no prazer e na serenidade.

"Pode-se suportar a dor."
completa o tetraphármakon, mostrando que, se a dor existe, deve ser curada, afastada através de mecanismos que o próprio homem possui. Quando a dor é física, dever ser eliminada com a rememorização de uma situação prazerosa do passado ou uma esperançosa do futuro. Isto se dá no refúgio ao mundo interior, subjetivo e livre do tempo e do espaço. Quando a dor é da alma, devem ser revistos os valores que orientam a vida. Após esse redirecionamento e consequente eliminação de falsos temores, recupera-se a saúde mental e a dor desaparece.

3. "Se recusares todas as sensações, não terás mais possibilidade de recorrer
a nenhum critério para julgar aquelas dentre elas que consideras falsa."

A lógica que os epicuristas chamam de canônica é a ciência do critério, do princípio e dos elementos. A idéia é a de que as noções vêm das sensações, por isso não adianta refutá-las. Ao juízo, cabe a confirmação da sensação, o que resulta na verdade, ou a o seu desmentido, o que resulta no erro (falácia). Portanto, a sensação, enquanto fonte de todo conhecimento, constitui-se no critério da verdade para Epicuro. Outro critério é prenoção, ou seja, uma compreensão que se tem do já conhecido. Olhando um cavalo, sabemos se é verdadeiramente um cavalo por já termos formada a opinião ou conceito do que seja um cavalo. Portanto, opinar significa ter um evidência anterior, não só dos sentidos, mas também da apreensão mental. Esse processo nos leva à indução das verdades.
É nesse ponto que a lógica epicurista subsidia sua ética quanto à recordação dos momentos de prazer. A sensação de prazer pode retornar ao presente através da memória, ou seja, é resgatada no tempo e vivenciada num momento de dor.

4. "Nada provém do nada nem se reduz ao nada."

Inspirado em Demócrito, Epicuro apresenta em sua física algumas novidades que possibilitam as mudanças que viabilizam uma ética não determinista. Ao supor que os átomos possuem apenas qualidade intrínsecas à sua forma, com peso e grandeza, e ao afirmar que essas qualidades mudam sem alterar a constituição do átomo, ele possibilita o redirecionamento da vida interior do homem sem que isto represente na perda da sua "normalidade". É no movimento contínuo dos átomos e no vácuo criado pelo espaço entre eles sem oferecer resistência que Epicuro explica o movimento encadeado dos corpos. O desvio (clinamem) dos átomos possibilita os choques. Então Epicuro quebra a rigidez da fatalidade, privilegiando o processo de liberdade que pode levar à felicidade.

5. "Uma vez pelo menos, vivi como os deuses: é o quanto basta."

Epicuro acreditou em uma felicidade que flui de dentro do homem e, portanto, edificada a partir de um processo de libertação interior que exclui da vida o medo e a dor, causador muitas vezes pelo ritmo da sociedade atual.
Isso faz do epicurismo uma teoria atual. Vivemos presos, temos medo e sentimos dor. Estamos impossibilitados pelo tempo e pelo espaço. A vida atual nos remete a uma "morte" diária, com disse João Cabral: "de velhice antes dos trinta, de emboscada antes dos vinte, de fome um pouco por dia". Velhice causada pelos preconceitos, pelo trabalho alienado; emboscada que é própria da sociedade capitalista, que oferece todas as possibilidades e ao mesmo tempo exclui; de fome de entendimento, de aclaramento em relação ao que acontece no mundo e de fome de mudança, de transformação.
Dentro de todas estas adversidades, o epicurismo propõe a edificação da "cidade interior", onde nenhum tirano pode entrar, onde não existam limites ou imposições a não ser as ditadas pela própria razão, soberana e independente. Embora pareça uma fuga, uma acomodação, o epicurismo nos remete a uma preparação. A um movimento revolucionário onde o principal objetivo é assumir a verdadeira natureza humana, livre, autônoma e criativa. Essa revolução interior prepara uma revolução maior, onde a harmonia será uma realidade e a justiça uma possibilidade. E os homens viverão como os deuses, sábios e felizes: serenos e com um imenso prazer.